Decreto-Lei n.º 106/2018, de 29 de novembro – “Competências dos Órgãos Municipais no Domínio da Gestão do Património Imobiliário Público”
Concretiza o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais no domínio da gestão do património imobiliário público sem utilização.
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Decreto-Lei n.º 106/2018, de 29 de novembro
O Programa do XXI Governo Constitucional erigiu como pedra angular a transformação do modelo de funcionamento do Estado, começando pelas autarquias locais, reforçando e aprofundando a autonomia local, apostando no incremento da legitimação das autarquias locais e abrindo portas à desejada transferência de competências da Administração direta e indireta do Estado para órgãos mais próximos das pessoas, concretizando os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da Administração Pública, plasmados no n.º 1 do artigo 6.º da Constituição da República Portuguesa.
Neste contexto, prevê-se o reforço das competências das autarquias locais, bem como das suas estruturas associativas, as entidades intermunicipais, numa lógica de descentralização e subsidiariedade.
O presente decreto-lei, que acolhe variados contributos da Associação Nacional de Municípios Portugueses, concretiza a transferência para os órgãos municipais das competências de gestão do património imobiliário público sem utilização localizado nos respetivos municípios, tal como previsto na Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto.
O presente decreto-lei prevê ainda que os municípios que assumam a gestão de um imóvel sem utilização do domínio privado do Estado que não se encontre inscrito na matriz ou esteja omisso para efeitos de registo diligenciem no sentido de regularizar tal património.
Pretende-se, com o presente decreto-lei, evitar a degradação do património imobiliário do Estado que se encontra sem uso, devoluto ou abandonado, fomentando a respetiva recuperação, conservação e reutilização, permitindo o gozo e a fruição pública deste património e um uso mais eficiente destes recursos, valorizando-os.
Face à data da publicação do presente decreto-lei, e à dificuldade que muitos municípios terão para cumprir o prazo de comunicação estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, prevê-se um regime próprio para o ano de 2019. Assim, tendo em consideração estes factos, os municípios que não pretendam a transferência das competências previstas no presente decreto-lei no ano de 2019 podem ainda comunicar esse facto à Direção-Geral das Autarquias Locais, após prévia deliberação dos seus órgãos deliberativos, até 60 dias após a entrada em vigor do presente decreto-lei.
Foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Assim:
Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, e da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objeto e âmbito
1 – O presente decreto-lei concretiza a transferência de competências para os órgãos municipais no domínio da gestão do património imobiliário público, ao abrigo do artigo 16.º da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto.
2 – É excluído do âmbito de aplicação do presente decreto-lei o património imobiliário público abrangido pelas seguintes disposições jurídicas:
a) 2.ª parte do n.º 1 do artigo 1.º da Lei Orgânica n.º 6/2015, de 18 de maio, que aprova a lei das infraestruturas militares;
b) Alínea e) do artigo 92.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, alterada pela Lei n.º 83-A/2013, de 30 de dezembro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social;
c) Alínea f) do artigo 3.º da Lei n.º 10/2017, de 3 de março, que aprova a lei de programação de infraestruturas e equipamentos das forças e serviços de segurança do Ministério da Administração Interna.
3 – É admitida a definição de mecanismos de utilização pelos municípios dos imóveis abrangidos pelas exceções elencadas no número anterior, a concretizar através da celebração de um acordo de cedência entre o município interessado e a entidade titular do imóvel.
4 – O acordo de cedência previsto no número anterior define as condições e o período de utilização e não prejudica o direito de alienação ou oneração dos imóveis por parte da respetiva entidade titular, salvo acordo em contrário entre esta e o município interessado.
Artigo 2.º
Património imobiliário público sem utilização
Para efeitos do disposto no presente decreto-lei, entende-se por «património imobiliário público sem utilização» o conjunto de bens imóveis do domínio privado do Estado ou dos institutos públicos e os bens imóveis do domínio público do Estado que se encontrem em inatividade, devolutos ou abandonados, por um período não inferior a 3 anos consecutivos, e não tenham sido objeto de qualquer das formas de administração previstas no n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto, nem se encontrem integrados em procedimento tendente a esse efeito, a implementar no prazo máximo de 1 ano a contar do envio da comunicação prévia prevista no n.º 1 do artigo 5.º
CAPÍTULO II
Transferência de competências para os órgãos municipais
Artigo 3.º
Transferência de competências
É da competência dos órgãos municipais a gestão do património imobiliário público sem utilização localizado no território dos respetivos municípios, nos termos regulados nos artigos seguintes.
Artigo 4.º
Exercício das competências
Todas as competências previstas no presente decreto-lei são exercidas pela câmara municipal.
Artigo 5.º
Comunicação para a transferência
1 – Em relação a cada imóvel, a transferência das competências de gestão sobre o património imobiliário público sem utilização depende de comunicação prévia enviada pelo município aos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e da tutela setorial, e, quando se trate de prédio rústico, ao membro do Governo responsável pela área da agricultura, com conhecimento ao membro do Governo responsável pela área das autarquias locais.
2 – A comunicação referida no número anterior é apresentada sob a forma de um projeto de valorização patrimonial economicamente sustentável, do qual consta a seguinte informação:
a) Identificação do imóvel, incluindo levantamento fotográfico e georreferenciação;
b) Pedido de avaliação do imóvel a realizar por perito-avaliador credenciado pela Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) e divulgada no sítio desta Direção-Geral;
c) Indicação do uso a conferir ao imóvel;
d) Indicação do prazo para o exercício das competências de gestão.
3 – A avaliação do imóvel é realizada tendo em conta o estado de conservação e/ou degradação deste à data da avaliação.
4 – A indicação do uso a conferir ao imóvel observa as suas características e natureza, salvaguardando a valorização integrada do património imobiliário e a prossecução do interesse público.
5 – O prazo máximo para o exercício da competência de gestão patrimonial é de 50 anos.
6 – O prazo para o exercício das competências de gestão pelo município pode ser prorrogado, mediante proposta do município interessado dirigida aos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e da tutela setorial, não podendo exceder o limite previsto no número anterior.
7 – À prorrogação referida no número anterior são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os elementos previstos nas alíneas b), c) e d) do n.º 2.
Artigo 6.º
Procedimento
1 – A transferência das competências de gestão sobre o património imobiliário público sem utilização é homologada por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da tutela setorial, a proferir no prazo de 120 dias a contar da receção da comunicação referida no n.º 1 do artigo anterior, considerando-se tacitamente deferido em caso de omissão de pronúncia.
2 – A DGTF solicita parecer prévio, obrigatório e não vinculativo, ao instituto público proprietário do imóvel, ou aos serviços ou organismos ao qual o imóvel está afeto ou às entidades que detêm a gestão ou jurisdição do imóvel.
3 – O instituto público proprietário do imóvel, os serviços ou organismos ao qual o imóvel está afeto ou as entidades que detêm a gestão ou jurisdição do imóvel emitem o parecer no prazo de 30 dias, considerando-se, em caso de omissão de pronúncia, não existir oposição à transferência.
4 – A transferência só pode ser indeferida com base nos seguintes fundamentos:
a) Verificação de alguma das causas de exclusão previstas no n.º 2 do artigo 1.º;
b) Incumprimento dos requisitos da comunicação previstos no n.º 2 do artigo anterior;
c) Manifesta incompatibilidade do uso a conferir ao imóvel com os fins de interesse público;
d) Existência de projeto concreto para ocupação do imóvel objeto de comunicação para transferência, nos termos do n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto, a implementar no prazo máximo de 1 ano a contar da comunicação prévia prevista no n.º 1 do artigo anterior.
Artigo 7.º
Posse
Os municípios tomam posse do imóvel cuja competência de gestão é transferida imediatamente depois de proferido o despacho previsto no n.º 1 do artigo anterior ou, em alternativa, após o decurso do prazo de 120 dias aí previsto, devendo limitar a sua ação ao projeto de valorização patrimonial apresentado.
Artigo 8.º
Acordo de transferência
1 – Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a transferência das competências de gestão para os municípios concretiza-se mediante acordo de transferência a celebrar, no prazo máximo de 60 dias após a emissão do despacho previsto no n.º 1 do artigo 6.º, entre o município interessado e a DGTF, no caso de o proprietário do imóvel ser o Estado, ou o instituto público que seja titular do imóvel ou a quem tivesse sido cedida a respetiva gestão.
2 – O acordo de transferência define as condições da transferência das competências de gestão e não prejudica, no caso dos imóveis do domínio privado do Estado ou dos institutos públicos, o direito de alienação ou oneração dos imóveis por parte da entidade titular do imóvel, salvo acordo em contrário entre esta e o município interessado.
3 – A DGTF, ou o instituto público que seja titular do imóvel ou a quem tivesse sido cedida a respetiva gestão, conforme o caso, elabora a minuta do acordo de transferência, remetendo-a ao município com uma antecedência mínima de 10 dias em relação ao dia agendado para a sua outorga.
Artigo 9.º
Receitas e encargos
1 – A transferência de competências de gestão envolve a transferência da responsabilidade por todos os encargos necessários para a recuperação do edificado, bem como por todas as despesas com a conservação e a manutenção dos imóveis.
2 – Constituem receitas dos municípios aquelas que sejam geradas pelos imóveis objeto de transferência da competência de gestão, nomeadamente as receitas decorrentes de arrendamento ou outras operações imobiliárias previstas no acordo de transferência.
3 – É admitido o recurso ao financiamento europeu para efeitos de realização das despesas de recuperação do edificado previstas no presente artigo.
4 – Sem prejuízo do estabelecido no n.º 2, nos casos em que o projeto de gestão gere um benefício económico para o município é prevista, no acordo de transferência, contrapartida financeira a favor do Estado que se fixa em 10 /prct. daquele benefício.
5 – Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por benefício económico o valor que resulta da dedução, às receitas geradas pelo imóvel, das despesas efetivamente suportadas com a recuperação, funcionamento, conservação e manutenção do mesmo, assim como dos custos com a respetiva depreciação ou amortização.
Artigo 10.º
Alienação
1 – O património imobiliário público sem utilização, integrado no domínio privado do Estado ou dos institutos públicos, pode ser alienado ao município, por ajuste direto, mediante autorização do membro do Governo responsável pela área das finanças.
2 – A DGTF ou, nos casos em que não é o Estado o proprietário do imóvel, o instituto público titular comunicam ao município a intenção de alienar o imóvel a terceiros antes do fim do período de vigência do acordo de transferência.
3 – Nos casos previstos no número anterior, os municípios gozam do direito de preferência, sendo deduzido do preço de aquisição que resulte da avaliação o valor das benfeitorias necessárias realizadas no respetivo imóvel.
4 – Não exercendo o direito de preferência previsto no número anterior, o município é ressarcido das benfeitorias realizadas no âmbito do projeto de valorização referido no n.º 2 do artigo 5.º, podendo ainda arrecadar até 10 /prct. da receita gerada pela alienação do imóvel, mediante despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças.
5 – O valor das benfeitorias é atualizado de acordo com a eventual valorização do imóvel, desde a data em que foi realizada a primeira avaliação até à data de alienação do imóvel.
Artigo 11.º
Causas de cessação
1 – Em relação a cada imóvel, a transferência da competência para a sua gestão cessa nos seguintes casos:
a) Acordo das partes;
b) Termo do acordo de transferência;
c) Incumprimento grave e reiterado, por parte dos municípios, das condições estabelecidas no acordo de transferência;
d) Decurso de 2 anos do acordo de transferência sem ter sido dado início aos procedimentos necessários à implementação do projeto de valorização;
e) Atribuição de uso ao imóvel diferente do que consta do projeto de valorização;
f) Alienação do imóvel, no caso dos bens imóveis do domínio privado do Estado ou dos institutos públicos.
2 – A cessação da transferência de gestão implica a entrega do imóvel livre de pessoas e bens ao respetivo titular, podendo o município proceder ao levantamento das benfeitorias realizadas, nos termos da lei civil, desde que o mesmo não implique quaisquer danos estruturais, arquitetónicos ou culturais relevantes no imóvel.
3 – Podem os municípios atribuir ao imóvel uso diferente do que consta do processo de valorização, mediante comunicação enviada ao membro do Governo responsável pela área das finanças, com conhecimento ao membro do Governo responsável pela área das autarquias locais.
4 – A alteração de uso a que se refere o número anterior depende de despacho de autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais, a proferir no prazo de 30 dias a contar da receção da comunicação, considerando-se tacitamente deferido em caso de omissão de pronúncia.
Artigo 12.º
Fiscalização
A DGTF, em conjunto com a Direção-Geral das Autarquias Locais, fiscaliza o cumprimento do disposto nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo anterior, assim como o cumprimento das regras constantes do acordo de transferência.
Artigo 13.º
Processo de restituição
1 – Sempre que, no âmbito da fiscalização a que se refere o artigo anterior, se encontrem fortes indícios de causa de cessação do acordo de transferência, a DGTF informa o membro do Governo responsável pela área das finanças e notifica o respetivo município para, no prazo de 15 dias, se pronunciar.
2 – Caso se verifique causa de cessação do acordo de transferência, a DGTF, após despacho favorável dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais, notifica o município para que proceda, no prazo de 30 dias, à entrega do imóvel, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 11.º
3 – Caso o município incumpra a obrigação de entrega do imóvel, a DGTF promove o despejo imediato.
CAPÍTULO III
Disposições finais e transitórias
Artigo 14.º
Inscrição e registo de prédios omissos
O município que assuma a gestão de um imóvel do domínio privado do Estado sem utilização que não se encontre inscrito na matriz ou omisso para efeitos de registo deve diligenciar no sentido da sua regularização, registando-o em nome do Estado ou do instituto público, conforme o caso, através do procedimento oficioso previsto no Decreto-Lei n.º 51/2017, de 25 de maio.
Artigo 15.º
Informação sobre património imobiliário sem utilização da Administração direta e indireta do Estado
1 – Todos os organismos públicos que tenham a seu cargo a gestão de imóveis a que se refere o artigo 2.º devem, no prazo máximo de 120 dias corridos contados da entrada em vigor do presente decreto-lei, elaborar uma lista contendo a respetiva identificação.
2 – A lista referida no número anterior é de acesso público e deve ser comunicada aos municípios em cuja circunscrição territorial os imóveis se situem.
3 – Os municípios podem indicar aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das autarquias locais e das finanças a existência de património imobiliário público sem utilização situado nos respetivos concelhos que se encontre omisso na lista referida no n.º 1.
4 – A lista de imóveis a que se referem os números anteriores consta de despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais, procedendo-se semestralmente à sua atualização, sempre que tal se justifique.
5 – São integrados na lista a que se referem os números anteriores os imóveis da Administração direta e indireta do Estado cujos processos de transferência estejam já em curso à data da entrada em vigor do presente decreto-lei.
Artigo 16.º
Produção de efeitos
1 – O presente decreto-lei produz efeitos no dia 1 de janeiro de 2019, sem prejuízo da sua concretização gradual nos termos do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 50/2018, de 20 de agosto, e do número seguinte.
2 – Relativamente ao ano de 2019, os municípios que não pretendam exercer as competências previstas no presente decreto-lei comunicam esse facto à Direção-Geral das Autarquias Locais, após prévia deliberação dos seus órgãos deliberativos, até 60 dias corridos após entrada em vigor do presente decreto-lei.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 27 de setembro de 2018. – António Luís Santos da Costa – Mário José Gomes de Freitas Centeno – Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita.
Promulgado em 7 de novembro de 2018.
Publique-se.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Referendado em 12 de novembro de 2018.
O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.