Decreto-Lei n.º 97/2018, de 27 de novembro – “Competências da Gestão das Praias Integradas no Domínio Público do Estado”
Concretiza o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais no domínio das praias marítimas, fluviais e lacustres.
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Decreto-Lei n.º 97/2018, de 27 de novembro
Reconhecendo que as autarquias locais são a estrutura fundamental para a gestão de serviços públicos numa dimensão de proximidade, o Programa do XXI Governo Constitucional, em consagração dos princípios da descentralização e da subsidiariedade, prevê que seja alargada a participação dos municípios em domínios relacionados com o mar. Um dos domínios chave neste âmbito é o das praias, face à sua importância em termos ambientais, sociais e económicos, em especial a nível local.
Considera o Governo que, para além de incrementar a política de proximidade que constitui um dos pilares base do seu Programa, a atribuição da gestão das praias aos municípios prosseguirá, de uma forma mais eficiente, os interesses legítimos dos utentes e dos operadores económicos, bem como a integridade dos seus recursos naturais.
Concomitantemente, é também intenção do Governo contribuir para a clarificação e simplificação do quadro de competências atribuídas às entidades públicas neste domínio.
De facto, o quadro institucional vigente atribui competências a diversas entidades no domínio das praias, em especial no que se refere a licenciamentos, autorizações e concessões.
Neste sentido, e sob proposta do Governo, a Assembleia da República aprovou a Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, a qual, nesta área, transferiu para os municípios a competência para a gestão das praias integradas no domínio público do Estado, quer sejam marítimas, fluviais ou lacustres.
O presente decreto-lei concretiza, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da referida lei, a transferência dessa competência.
A competência transferida para os municípios inclui, designadamente, a limpeza dos espaços balneares e a manutenção, conservação e reparação das infraestruturas e equipamentos aí existentes, bem como a exploração económica dos espaços em questão e a sua fiscalização.
Com respeito pela definição técnica das condições de segurança, salvamento e assistência a banhistas, a estabelecer pela entidade atualmente competente, é também transferida para os municípios a competência para assegurar a atividade de assistência a banhistas.
Sublinha-se, ainda, que as praias são espaços que devem contribuir para a criação de ambientes promotores da saúde e do bem-estar das populações, devendo promover-se, designadamente, a existência de equipamentos de disponibilidade gratuita de água da rede pública.
Face às novas competências transferidas para os municípios, o presente decreto-lei procede à alteração do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, na sua redação atual, e do Decreto-Lei n.º 96-A/2006, de 2 de junho.
A transferência das novas competências para os municípios produz efeitos no dia 1 de janeiro de 2019, admitindo-se a sua concretização gradual, nos termos referidos nos n.os 2 e 3 do artigo 4.º da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto.
Face à data da publicação do presente decreto-lei, e à dificuldade que muitos municípios terão para cumprir o prazo de comunicação estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, prevê-se um regime próprio para o ano de 2019. Assim, tendo em consideração estes factos, os municípios que não pretendam a transferência das competências previstas no presente decreto-lei no ano de 2019 podem ainda comunicar esse facto à Direção-Geral das Autarquias Locais, após prévia deliberação dos seus órgãos deliberativos, no prazo de 60 dias após a entrada em vigor do presente decreto-lei.
Foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Assim:
Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, e da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições iniciais
Artigo 1.º
Objeto
1 – O presente decreto-lei concretiza a transferência de competências para os órgãos municipais no domínio da gestão das praias marítimas, fluviais e lacustres integradas no domínio público hídrico do Estado, ao abrigo do artigo 19.º da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto.
2 – Para os efeitos do número anterior, entende-se por praias as identificadas como águas balneares no âmbito da Diretiva 2006/7/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de fevereiro de 2006, e da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, na sua redação atual.
3 – O presente decreto-lei procede ainda à:
a) Primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 96-A/2006, de 2 de junho; e
b) Oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, alterado pelos Decretos-Leis n.os 391-A/2007, de 21 de dezembro, 93/2008, de 4 de junho, 107/2009, de 15 de maio, 245/2009, de 22 de setembro, e 82/2010, de 2 de julho, e pelas Leis n.os 44/2012, de 29 de agosto, e 12/2018, de 2 de março.
Artigo 2.º
Sucessão de direitos e obrigações
Para efeitos da transferência de competências previstas no presente decreto-lei, os órgãos municipais sucedem, nos termos previstos nos artigos seguintes, nos direitos e obrigações dos titulares dominiais, independentemente de quaisquer formalidades adicionais.
CAPÍTULO II
Transferência de competências
Artigo 3.º
Competências
1 – É da competência dos órgãos municipais, no que se refere às praias mencionadas no artigo 1.º:
a) Proceder à limpeza e à respetiva recolha de resíduos urbanos;
b) Proceder à manutenção, conservação e gestão, designadamente, do seguinte:
i) Infraestruturas de saneamento básico;
ii) Abastecimento de água, de energia e comunicações de emergência;
iii) Equipamentos e apoios de praia, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 3;
iv) Equipamentos de apoio à circulação pedonal e rodoviária, incluindo estacionamentos, acessos e meios de atravessamento das águas que liguem margens de uma praia;
c) Assegurar a atividade de assistência a banhistas em espaços balneares, garantindo a presença dos nadadores salvadores e a existência dos materiais, equipamentos e sinalética destinados à assistência a banhistas, de acordo com a definição técnica das condições de segurança, socorro e assistência determinada pelos órgãos da Autoridade Marítima Nacional.
2 – Nas praias que sejam objeto de concessão, licença ou autorização, nos termos da alínea a) do número seguinte, as matérias referidas na alínea a), nas subalíneas iii) e iv) da alínea b), e na alínea c) do número anterior podem integrar o conjunto de obrigações a impor ao concessionário ou ao titular da licença ou autorização através do respetivo título de utilização de recursos hídricos.
3 – Compete igualmente aos órgãos municipais, no que se refere às praias mencionadas no artigo 1.º:
a) Concessionar, licenciar e autorizar infraestruturas, equipamentos, apoios de praia ou similares nas zonas balneares, bem como as infraestruturas e equipamentos de apoio à circulação rodoviária, incluindo estacionamento e acessos, com respeito pelos instrumentos de gestão territorial aplicáveis;
b) Concessionar, licenciar e autorizar o fornecimento de bens e serviços e a prática de atividades desportivas e recreativas;
c) Criar, liquidar e cobrar as taxas e tarifas devidas pelo exercício das competências previstas no presente artigo, as quais são consideradas receitas próprias dos municípios, sem prejuízo do disposto no artigo 9.º, para os casos aí previstos, quanto à forma de distribuição da receita;
d) Instaurar, instruir e decidir os procedimentos contraordenacionais, bem como aplicar as coimas devidas.
4 – Os atos administrativos previstos nas alíneas a) e b) do número anterior incluem as atividades a exercer nas margens e nas águas das praias fluviais e lacustres e, no caso das praias marítimas, nas margens e águas até ao limite das águas costeiras nos termos definidos na alínea b) do artigo 4.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, na sua redação atual, ficando os mesmos sujeitos ao definido na legislação e instrumentos de planeamento e de ordenamento dos recursos hídricos em vigor.
Artigo 4.º
Obras de reparação e manutenção
1 – É competência dos órgãos municipais, nas praias mencionadas no artigo 1.º, realizar as obras de reparação e manutenção das retenções marginais, estacadas e muralhas, por forma a garantir a segurança dos utentes das praias.
2 – Não estão incluídas no disposto no número anterior as ações de estabilização e contenção dos fenómenos de erosão costeira, cuja competência se mantém nas entidades atualmente responsáveis, nos termos dos regimes legais aplicáveis.
Artigo 5.º
Exercício de competências
Todas as competências previstas no presente decreto-lei são exercidas pela câmara municipal.
Artigo 6.º
Condições de segurança, proteção, socorro e assistência
1 – Os órgãos municipais exercem as suas competências no respeito pelas regras aplicáveis em matéria de condições de segurança, proteção, socorro e assistência.
2 – Compete à Autoridade Marítima Nacional, no âmbito nas praias marítimas e nas praias fluviais e lacustres que se insiram no âmbito da sua jurisdição:
a) Assegurar a vigilância e o policiamento dos espaços balneares, promovendo os mecanismos de regulação legalmente previstos para que a sua utilização se faça em condições de segurança e com salvaguarda da ordem pública;
b) Estabelecer, nos termos legalmente previstos, os requisitos e dispositivos no âmbito da assistência a banhistas em praias concessionadas;
c) Emitir parecer quanto à definição de condições de segurança referentes a eventos de natureza cultural, desportiva ou recreativa a desenvolver no espaço balnear e demais espaços referidos no artigo 1.º, quando esteja em causa a segurança das pessoas, bens e equipamentos;
d) Assegurar, através de dispositivo da Polícia Marítima, a fiscalização dos eventos referidos na alínea anterior, garantindo que os mesmos se realizam em segurança.
3 – Pelos atos e serviços referidos na alínea b) a d) do número anterior são cobradas taxas nos termos legalmente definidos.
4 – Para os efeitos do presente decreto-lei, e salvo o disposto na alínea c) do n.º 2, não é aplicável a exigência do parecer prévio da Autoridade Marítima Nacional previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, na sua redação atual.
Artigo 7.º
Instrumentos de planeamento e ordenamento
1 – É da responsabilidade dos órgãos municipais a promoção da fruição segura e ambientalmente sustentável das praias marítimas, fluviais e lacustres, no quadro dos instrumentos de gestão do território e regulamentares em vigor, designadamente em matéria de gestão da orla costeira, das albufeiras de águas públicas de serviço público e das lagoas ou lagos de águas públicas.
2 – Sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei, as competências relativas ao planeamento e ao ordenamento dos recursos hídricos, bem como à gestão de água, incluindo supervisão da sua qualidade, são prosseguidas pelos organismos competentes nos termos da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, na sua redação atual.
Artigo 8.º
Harmonização de procedimentos
Quando a atividade a desenvolver pelo requerente abranja o território de mais do que um município, os procedimentos previstos no presente decreto-lei devem ser harmonizados, recorrendo-se, sempre que possível, a meios de tramitação eletrónica, nomeadamente ao Balcão do Empreendedor.
Artigo 9.º
Produto da cobrança de taxas sobre a ocupação dominial das praias
1 – O produto da cobrança das taxas e tarifas devidas pela ocupação dominial das praias previstas no presente decreto-lei constitui receita das seguintes entidades:
a) 5 /prct. do Fundo Ambiental;
b) 5 /prct. do Fundo Azul;
c) 90 /prct. do município em cujo território a praia se localiza.
2 – Ao produto das taxas e tarifas devidas pela ocupação dominial das praias marítimas a repartir entre as entidades previstas no número anterior é deduzido o montante devido à Autoridade Marítima Nacional nos termos do n.º 3 do artigo 6.º
3 – Os municípios devem transferir, até ao final de cada mês, para as entidades previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 os valores cobrados no mês anterior.
CAPÍTULO III
Alterações legislativas
Artigo 10.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 96-A/2006, de 2 de junho
Os artigos 3.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 96-A/2006, de 2 de junho, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 3.º
[…]
1 – […]
a) […]
b) […]
c) […]
d) Abertura da ZAB sem que seja efetuada a verificação das condições estabelecidas na licença quanto à implantação do apoio de praia, apoio balnear ou equipamentos conexos;
e) […]
f) […]
g) […]
h) […]
i) […]
j) […]
k) […]
l) […]
m) […]
n) […]
o) Início da atividade da ZAB sem que estejam efetuadas as vistorias e verificações técnicas respeitantes à prestação de serviços de vigilância, segurança e assistência aos utilizadores da praia.
[…]
Artigo 13.º
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – Os municípios, relativamente às praias marítimas, ou de águas fluviais e lacustres, integradas na área territorial afeta à sua administração, são as entidades competentes para proceder à instrução e decisão dos processos de contraordenação, assim como para a aplicação das coimas, respetivas sanções acessórias e medidas cautelares, relativamente às infrações indicadas nas alíneas a), b), d), g), h), i), n) do n.º 1 e nas alíneas a), e), f) do n.º 2, do artigo 3.º.»
Artigo 11.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio
Os artigos 12.º e 83.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 12.º
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – Compete aos municípios territorialmente competentes licenciar os apoios de praia previstos nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 63.º
4 – […]
Artigo 83.º
[…]
1 – […]
2 – Compete exclusivamente aos municípios a instauração, instrução e decisão dos processos de contraordenação, assim como a aplicação das coimas, respetivas sanções acessórias e medidas cautelares, relativamente às competências transferidas pelas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 97/2018, nas praias marítimas ou de águas fluviais e lacustres, integradas na área territorial afeta à sua administração.»
CAPÍTULO IV
Disposições finais e transitórias
Artigo 12.º
Disposição transitória
1 – Consideram-se feitas aos municípios as referências constantes de outros diplomas legais relativas às competências objeto do presente decreto-lei.
2 – Os procedimentos para atribuição de autorizações, licenciamentos e concessões que estejam pendentes à data da produção de efeitos do presente decreto-lei continuam a ser tramitados junto da entidade anteriormente competente, que mantém competência para proferir a decisão final.
3 – Os títulos de utilização de zona de praia referidos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 3.º vigentes à data da produção de efeitos do presente decreto-lei mantêm-se válidos nos termos e nas condições em que foram emitidos, sem prejuízo da sua gestão pelos municípios e sujeição ao respetivo regime económico.
4 – Para efeitos do cumprimento do disposto no número anterior, as entidades emitentes daqueles títulos devem, no prazo de 60 dias a contar da data da produção de efeitos do presente decreto-lei, remeter ao município territorialmente competente os processos administrativos relativos às respetivas utilizações.
Artigo 13.º
Produção de efeitos
1 – O presente decreto-lei produz efeitos no dia 1 de janeiro de 2019, sem prejuízo da sua concretização gradual nos termos do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 50/2018, de 20 de agosto, e do disposto no número seguinte.
2 – Relativamente ao ano de 2019, os municípios que não pretendam a transferência das competências previstas no presente decreto-lei comunicam esse facto à Direção-Geral das Autarquias Locais, após prévia deliberação dos seus órgãos deliberativos, até 60 dias corridos após entrada em vigor do presente decreto-lei.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 13 de setembro de 2018. – António Luís Santos da Costa – Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita – João Pedro Soeiro de Matos Fernandes – Ana Paula Mendes Vitorino.
Promulgado em 7 de novembro de 2018.
Publique-se.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Referendado em 12 de novembro de 2018.
O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.